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Emir Sader - 64 - Julho de 2000
O retrocesso pós-79
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O retrocesso pós-79

EMIR SADER 

A partir de 1979, as propostas do FMI e do Banco Mundial, assumidas por seus ideólogos como "Consenso de Washington", foram colocadas em prática pela grande maioria dos governos latino-americanos. Sob o nome de políticas de estabilização monetária, impuseram um novo cenário econômico, social, político e cultural ao continente. Passadas duas décadas, tornou-se possível -e até mesmo indispensável- fazer um balanço dessas mudanças.
Wilson Cano desenvolve um levantamento sistemático sobre os oito principais países da região -Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, Venezuela e Cuba-, em monografias que cobrem o essencial do desenvolvimento econômico de cada um deles ao longo do século 20, para se deter na forma particular como foi implementada, em cada país, a política de ajuste fiscal. Antes, introduz o tema mediante um enquadramento geral, denominado "retrocesso pós-1979".
O Chile, pioneiro na implantação desse modelo, optou por valorizar as ditas "vantagens comparativas", priorizando o setor primário exportador e abandonando os níveis intermediários de desenvolvimento industrial logrados no marco do Pacto Andino. O país finalmente passa a ter uma burguesia agrária, na medida em que o regime de Pinochet não devolveu a seus antigos proprietários as terras sob intervenção no governo Allende, mas, no marco do processo de privatização, favoreceu seu acesso ao grande capital internacional. Junto com o cobre -principal fonte de divisas do país e, significativamente, não privatizado-, madeira, peixes e frutas compõem a pauta exportadora de uma economia fragilizada pelo grau de abertura promovido por políticas de ajuste fiscal, herdadas e mantidas pela coalizão democrata cristã/socialista ao longo dos anos 90.
Na região, o México é a única economia que, tendo aplicado o ajuste fiscal, cresce no final do século 20. Esse crescimento, fruto do acoplamento subordinado à economia norte-americana e dos efeitos colaterais da ainda vigente expansão do vizinho, tem, no entanto, promovido uma inédita deformação em sua economia. As indústrias de "maquiagem", situadas no norte, puxam os índices de crescimento, enquanto no restante do país alastra-se uma enorme crise social. Nos EUA, a atual expansão convive com o quadro mais agudo de concentração de renda de sua história; no México, esse mecanismo é reproduzido de forma trágica. Devido ao grau de desnacionalização e ao peso do modelo exportador, a cada solavanco da Bolsa de Nova York, sacodem os alicerces da economia e da sociedade mexicana, à espera do terremoto que terá efeitos devastadores para o país.
A Argentina, por sua vez, tendo introduzido o programa de ajuste fiscal a partir de duas crises de hiperinflação -com os traumas correspondentes-, comprometeu-se com a paridade, fixada em lei, com o dólar. O remédio ameaça tornar-se veneno, bloqueando a capacidade de crescer do país.
Hoje, os argentinos oscilam entre a opção de aderir definitivamente à dolarização ou a tentativa de buscar uma moeda regional, junto com o Brasil, como fórmula de escape -não assumida- do esquema de paridade que tem condenado sua economia à recessão prolongada.
O Brasil, segundo Wilson Cano, seguiu um caminho intermediário entre o México e a Argentina, adotando uma variante de neoliberalismo tardia, iniciada praticamente no momento da crise mexicana. Os paliativos, como a desvalorização abrupta, a recessão, a renegociação da dívida e a busca de novos empréstimos, com as consequentes quebras financeiras, aumento das dívidas interna e externa e da crise social, são condimentos de um fracasso anunciado.
A Colômbia, com endividamento de médio e longo prazo, baixa inflação e crescimento contínuo, parecia ser um caso diferenciado até este ano, quando chegou a recessão. A força desta, somada à crise do Estado, apontam para uma situação de desestabilização.
Quanto à Venezuela, sua persistente tentativa de sobreviver com o petróleo chegou ao limite, arrefecida parcialmente pela nova política de valorização de preços da Opep (o cartel dos produtores mundiais de petróleo). A farra do petróleo levou o país à bancarrota e, com ele, sua elite política, abrindo perspectivas para uma política alternativa em uma nação que rejeitou sistematicamente políticas de ajuste fiscal.
A exceção, para Wilson Cano, é Cuba, um país que tem resistido às ofensivas do FMI. Embora constate uma série de dualidades instauradas com a abertura de espaços dolarizados, ele considera que o momento mais grave da crise foi superado e que o país tende a readquirir um novo ponto de equilíbrio.
Os diagnósticos de "Soberania e Política Econômica na América Latina" contrastam com a visão de curto prazo imposta ao debate econômico, às discussões vigentes na mídia e às políticas governamentais guiadas pelo pensamento monetarista.
O livro deixa claro que a possibilidade de políticas alternativas para o conjunto do continente está condicionada à recuperação da soberania perdida. No entanto, quando alastra-se pelo continente a crise social mais grave desde 1930, as classes altas deliciam-se com importações e viagens, sem dar-se conta de que o preço disso é o aumento do desemprego e da recessão. As elites políticas, por sua vez, agindo conforme os interesses dessas classes, tendem a apelar cada vez mais abertamente para o endurecimento político.



Soberania e Política Econômica na América Latina
Wilson Cano
Fapesp/Unicamp/Editora Unesp
(Tel. 0/xx/11/232-7171)
582 págs., R$ 42,00


Emir Sader é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e co-autor, com Frei Betto, de "Contra-Versões" (Boitempo).

Emir Sader é professor de sociologia da USP.
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