Memórias, música e business
MARCIA TOSTA DIAS
Relatos do período áureo da indústria fonográfica
MÚSICA, ÍDOLOS E PODER. DO VINIL AO DOWNLOAD.
André Midani
NOVA FRONTEIRA
295 p., R$ 39,90
Dentre as inúmeras surpresas que nos reserva atualmente o mundo da música gravada, destaca-se a publicação de autobiografias de executivos e produtores musicais que atuaram no período áureo da indústria fonográfica mundial, os anos 1960, 70 e 80.
André Midani, personagem especialmente distinto nessa cena, rompe com o asséptico e econômico discurso dos empresários da cultura e, considerando encerada sua missão de gestor de grandes sucessos musicais, olha para sua trajetória no conforto do tempo presente. O que lhe permite selecionar apenas as lembranças que julga mais interessantes relatar. O fulcro assenta-se nas particularidades de seu métier e na maneira como foi transformando seu fascínio pelos discos numa fórmula capaz de equilibrar “o sagrado (a música) e o profano (o lucro)”.
O livro, de texto e trama envolventes, articula elementos que vão das agruras da infância e da juventude multiculturais, à movimentação musical e empresarial que deu base à bossa nova, ao tropicalismo, à MPB, ao rock brasileiro dos anos 80, chegando à crítica da tomada do poder executivo por “tecnocratas” nas grandes transnacionais do entretenimento e suas consequências.
O texto, que também se distingue pelo bom humor, ao apresentar uma história de vencedores estimula o debate, provocando no leitor o interesse por outras abordagens dos fatos narrados.
OUVINDO ESTRELAS
Marco Mazzola
PLANETA
302 p., R$ 44,90
No universo da produção de discos, Marco Mazzola é exemplo acabado daquilo que se entende e se espera de um produtor musical. Desde meados dos anos 1960, se definiu como um profissional da área técnica, iniciando seu trabalho em estúdios de gravação, passando logo aos quadros das majors. A partir de sua especialidade, alça vôo até os postos de direção. Atuou em companhias como Philips, posteriormente Poligram e na implantação de companhias como a WEA e a Ariola, responsáveis pela administração de casts dos mais distintos da música popular brasileira.
Testemunha, portanto, o desenvolvimento dessas empresas e as escolhas que forjaram sua maneira de atuar. Nos anos 80, monta um estúdio de gravação high tec e cria o seu próprio selo fonográfico, o MZA, que se incumbe de produzir discos de uma nova safra de artistas brasileiros.
O livro é documento precioso para a memória e a pesquisa, pela profusão e importância de dados e fatos que apresenta, mas também pela particularidade do texto que, por seguir uma trilha linear, se aproxima do tom dos relatórios, parece prestar contas. Surpreende, da mesma forma, a insistência no auto elogio e a reiteração do mito personalista segundo o qual nessa arena é preciso muito mais do que o exercício de uma racionalidade específica que conjugue música e business. Uma trajetória de glória não pode prescindir de doses equilibradas de saber, feeling e santo forte!
MÚSICA NAS VEIAS
Zuza Homem de Mello
EDITORA 34
359 p., R$ 46,00
O título, tirado da saudação de despedida proferida em seus programas de rádio do fim dos anos 70, não podia ser mais apropriado. Conjugando memórias e ensaios, que aparecem sempre juntos mesmo quando pretendem estar separados, o autor nos contempla com um belíssimo e substancioso livro, ponto alto de sua produção bibliográfica.
O momento em que se sente a vontade para contar detalhes de sua trajetória é o mesmo que lhe permite tirar da gaveta ensaios inacabados, produtos de ricas pesquisas finalmente concluídas. Assim, desfilam temas como o seu envolvimento (formação e profissionalização) com o contrabaixo; a etapa de estudos nos EUA, quando foi aluno de grandes mestres do jazz; cartas e lembranças de Jacó e seu bandolim; sua fascinação e trabalho com o rádio; as orquestras de dança no Brasil da primeira metade do 20; o jazz na Alemanha durante a Segunda Guerra e alguns outros fenômenos da cultura de massa, como o surgimento de cantoras de voz provocante e canções sussurradas e o poder da TV Record de trazer ao país grandes atrações as música internacional, no início da década de 60.
O autor de tudo participa, dialeticamente. Percorre as várias pontas do processo, da produção à fruição. Seus ouvidos para a música são os do músico; sua crônica da vida cultural das cidades revela a presença de sua própria atuação.