No
contexto atual dos grandes desafios da democracia no Brasil, arquitetada
institucionalmente com o advento da Constituição de 1988, como um pacto
pós-período de autoritarismo da ditadura militar, com amplo apelo para
participação popular e controle dos gastos públicos, visando à efetividade do
Princípio da Supremacia do Interesse Público, aos Tribunais de Contas são
conferidas amplas competências para o
controle externo das contas públicas.
A Constituição, chamada de “Cidadã”, ao instituir um “Estado Democrático e Social de Direito”, conforme a clássica lição dos constitucionalistas, impõe ao Estado uma ampla gama de serviços públicos no que tange à educação, saúde, segurança pública, dentre outras áreas de atuação do Estado brasileiro. Prestações somente possíveis graças a um uso racional dos recursos públicos controlados em termos quantitativos e qualitativos pelos Tribunais de Contas.
A obra Tribunais de contas no estado democrático e os desafios do controle externo, de João Antonio da Silva Filho, brinda o leitor, nos capítulos iniciais, com uma análise precisa e aprofundada sobre o papel desempenhado pelas Cortes de Contas, após 1988, ao fazer reflexões sobre o estado democrático como o instrumento hábil de composição das forças políticas e sociais, a evolução institucional dos Tribunais de Contas na história das constituições do Brasil, com ampliação de suas competências nos períodos democráticos, a exemplo de 1946 e 1988 e retrocessos nos períodos autoritários, como no Estado Novo getulista e na ditadura militar.
No capítulo III, o autor traça um panorama conceitual da atividade de controle da administração pública, destacando a natureza jurídica dos Tribunais de Contas, os quais são reconhecidos como entes constitucionais autônomos, e não meros apêndices do Poder Legislativo, possuindo um perfil constitucional análogo ao Ministério Público no que tange à autonomia institucional, salvaguardando uma atuação independente de pressões econômicas ou político-partidárias.
Nesta parte da obra o autor discorre sobre a natureza das decisões dos Tribunais de Contas, destacando a mudança do perfil de sua atuação fiscalizatória, tradicionalmente mais voltada à análise de conformidade dos atos administrativos já postos no mundo jurídico (controle repressivo) mas que, com o alargamento das competências conferidas ao Controle Externo pela Constituição Federal, vem ganhando relevância o controle prévio e o controle concomitante realizado pelas Cortes de Contas como mecanismos para eficiência da sua atuação. A competência dos Tribunais de Contas, em seu sentido contemporâneo, segue, assim, tendência de afirmação com um enfoque proativo, resultados da atuação administrativa, mais voltado ao um tipo de fiscalização numa visão que vá além da mera aferição da correção/legalidade dos gastos, passando a avaliar aspectos relacionados aos resultados e à efetividade das ações governamentais.
O Capítulo IV, da obra se propõe a analisar aspectos inovadores na atuação dos Tribunais de Contas. Após abordar o controle da legalidade, legitimidade e economicidade dos gastos públicos, destacando recente discussão acerca da separação da análise contábil da gestão pública (contas de gestão) e das funções de governo, o autor destaca o papel desempenhado pelos Tribunais de Contas no controle de garantias do cidadão na implementação dos direitos fundamentais, sobretudo naqueles traduzidos em prestações positivas do Estado, a exemplo da educação, saúde, assistência social, proteção ao meio ambiente etc., cuja implementação demanda o aporte significativo de recursos públicos, sendo o controle aspecto essencial para sua boa aplicação.
É nessa parte do texto que reside um dos aspectos mais interessantes da obra: a formulação de que os Tribunais de Contas devem funcionar como avalistas de políticas públicas exitosas, contribuindo para a perenidade de ações governamentais positivas para além dos ciclos eleitorais, em especial aquelas que promovam o cumprimento e a implementação de determinações da Constituição Federal. O autor desenvolve essa ideia a partir da identificação de que alternância do poder, própria dos regimes democráticos, tem como efeito colateral, muitas vezes, a ruptura de políticas públicas bem-sucedidas oriundas de governos anteriores. Assim, respeitadas a discricionariedade e as escolhas feitas pelo gestor público, as Cortes de Contas devem funcionar como fiadoras da estabilidade e da continuidade de políticas públicas (programas, serviços e obras públicas) que consumiram grandes somas de recursos e que se mostraram exitosas do ponto de vista dos resultados alcançados, reprimindo atos que procurem inibir, enfraquecer ou desvirtuar políticas públicas consolidadas, ainda que iniciadas em gestões anteriores.
Ainda no Capítulo IV, o autor faz ainda a análise de mecanismos que redundaram em inovações na prática do Controle Externo, no âmbito do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, como as Auditorias Operacionais; Auditorias Transversais; mecanismos de solução consensual de conflitos como Termos de Ajustamento de Gestão e Mesas Técnicas, além da utilização de Medidas Cautelares no âmbito das Cortes de Contas.
O autor conclui a obra destacando que os Tribunais de Contas são instrumentos essenciais para a consolidação do estado democrático de direito no Brasil, devendo sua atuação ter como premissa a efetividade das políticas públicas, buscando-se valorizar a análise dos resultados alcançados pela Administração Pública, cuja fiscalização deve estar mais voltada à prevenção do que à repressão, fazendo com que o Controle Externo atue também como um parceiro da Administração na busca das melhores soluções para a população, a partir da busca de mecanismos de controle baseados mais na consensualidade do que na imperatividade.
Trata-se, assim, de obra de fôlego, que inova na abordagem do Controle Externo, demonstrando a importância das Cortes de Contas para a manutenção e o aprofundamento do regime democrático no Brasil.
SILVIO GABRIEL SERRANO NUNES é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo
ANTONIO CARLOS ALVES PINTO SERRANO é mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
FILIPPE LIZARDO é mestre em direito pela Universidade Nove de Julho