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Francisco Alembert - 71 - Fevereiro de 2001
Vozes do Brasil
Foto do(a) autor(a) Francisco Alembert

Vozes do Brasil

Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba
Pedro Alexandre Sanches
Boitempo (Tel. 0/xx/11/3865-6947)
360 págs., R$ 39,00

A tese: Caetano e Gil desenharam a destruição tropicalista das formas tradicionais da música popular brasileira unindo a euforia cultural de 68 com a abertura ao irracionalismo e à indústria cultural. A antítese: Paulinho da Viola e Chico Buarque resistiram ao desmanche reinvestindo modernamente na tradição do samba e na crença humanista do poder adormecido da cultura popular. A síntese: Jorge Ben teria sido (e talvez ainda seja) a possibilidade de unir presente e passado, cultura de massa e cultura popular, para além do estereótipo cínico e da melancolia do derrotado. Os primeiros, querendo nos libertar do peso da tradição, nos condenaram ao entorpecimento de uma contradição sem síntese, em que tudo é divino e maravilhoso (dos Beatles a ACM); os segundos resistem mobilizando a força de uma tradição ainda viva, mas imersos numa melancolia que não lhes permite organizar os imperativos do tempo; o terceiro desenha a alternativa black music, unindo, em forma e conteúdo, o moderno e o tradicional, pagando por isso o preço da semimarginalidade. Não creio que esse resumo esteja "errado", mas dizer isso é dizer quase nada do livro acima. Trata-se de uma aguda, desabusada e detalhada análise do conjunto cultural mais importante do Brasil pós-68: a música popular, do samba ao tropicalismo e deste para cá também.


A Forma da Festa
Sylvia Helena Cyntrão (org.)
Ed. UnB/ Imprensa Oficial (Tel. 0/xx/61/226-6874)
231 págs., R$ 25,00

Este livro é altamente indicado para coroinhas e devotos da "revolução" tropicalista. A capa é um mimo à parte: estampa a figura de Caetano Veloso sobreposta à bandeira brasileira. Resultado de um seminário na Universidade de Brasília, reúne conferências, manifestações, depoimentos e algum debate (bastante editado). Um ensaio com mais de 60 páginas da organizadora precede depoimentos de políticos, músicos, professores e artistas. Com exceções, o tom é de apologia e reverência pop aos ídolos, à "contracultura", à "efervescência vanguardista", às "misturas", ao "pansexualismo", às "verdades tropicais" (especialmente aquela que iguala esquerda e direita, acusando especialmente a primeira de ser "burra" e inimiga da "liberdade criativa", sacramentada como dogma pelo discurso tropicalista), sem que tais termos e idéias sejam submetidos ao crivo da dúvida ou da crítica.


Os Donos da Voz
Márcia Tosta Dias
Boitempo (Tel. 0/xx/11/3865-6947)
183 págs., R$ 23,00

Márcia Tosta vai ao ponto da questão sociológica central para se medir a condição contemporânea da apreciação e difusão da música no Brasil: a formação da indústria cultural, especialmente da indústria fonográfica. Setor globalizado, eminentemente concentrador de poder, um verdadeiro oligopólio que tomou conta dos canais de produção, distribuição e acesso ao mundo da cultura musical. Com análises finíssimas, tendo Adorno como norte, o livro nos apresenta a formação desse universo, dos anos 70 até fins dos 90. Especialmente interessantes as análises sobre o papel do "produtor musical" e o processo de incorporação dos "alternativos" e "independentes" como segmento de mercado. Um livro terapêutico para os que crêem que a voz não tem dono e instrutivo para aqueles que querem restituir as vozes a seus legítimos donos.


70/80 - Cultura em Trânsito
Elio Gaspari, Heloisa Buarque de Hollanda e Zuenir Ventura
Aeroplano (Tel. 0/xx/21/529-6974)
332 págs., R$ 25,00

À parte o título infeliz, trata-se de livro importante. A idéia é que acompanhemos a movimentação política, cultural e comportamental dos anos da repressão à abertura. Assim, encontramos vários artigos de Heloisa Buarque defendendo e explicando a poesia marginal e a cultura do desbunde; ou crônicas e artigos de Ventura analisando o que ele chamou de "vazio cultural". Ainda que se possa dizer que se trata de visões excessivamente "ipanemenses", os textos são imprescindíveis para futuros estudos sobre essas décadas. Entre todas as peças que compõem esse livro multifacetado se destaca a entrevista que Heloisa Buarque e Carlos Alberto Messeder fizeram com Glauber Rocha em fins de 1979. Trata-se da mais contundente análise do esquema político-cultural que se formava no fim da ditadura e veio a se consagrar. O "louco" Glauber analisa e critica figuras decisivas não apenas do Brasil de 1980, mas especialmente, do Brasil de hoje: FHC, o Cebrap, Arnaldo Jabor, Caetano Veloso etc. Salvo engano, creio que ninguém viu com tanta clareza e desespero o buraco em que iríamos nos meter.

FRANCISCO ALAMBERT

Francisco Alembert é professor do departamento de história da USP.
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