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Nelson Fiedler Ferrara Júnior - 94 - Março de 2003
O paradoxo do tempo
Foto da capa do livro As leis do caos
As leis do caos
Autor: Ilya Prigogine
Tradução: Roberto Leal Ferreira
Editora: Unesp - 110 páginas
Foto do(a) autor(a) Nelson Fiedler Ferrara Júnior

Ilya Prigogine sempre surpreende. Mesmo seus opositores intelectuais nele reconhecem um faro excepcional para descobrir novas direções na ciência. Não menos surpreendentes e polêmicas são as idéias que esse cientista nos propõe no livro "As Leis do Caos", publicado com correta tradução a partir da edição original italiana de 1993.
Prigogine nasceu em Moscou em 1917. É diretor dos Institutos Solvay de Física e Química, em Bruxelas, e do Centro Ilya Prigogine de Mecânica Estatística, Termodinâmica e Sistemas Complexos, em Austin (EUA). Em 1977 recebeu o Prêmio Nobel de Química por suas contribuições à termodinâmica de não-equilíbrio e pela descrição das estruturas dissipativas, cernes das reflexões da chamada Escola de Bruxelas, que tem em Prigogine seu principal cientista.
Estruturas dissipativas são fenômenos de criação de ordem longe do equilíbrio termodinâmico. Prigogine observou que longe do equilíbrio termodinâmico, na presença de fluxos de energia e de matéria mantidos a partir do exterior do sistema, não existe um princípio termodinâmico único que possa determinar a evolução do sistema. Essa evolução deve ser estudada introduzindo a dinâmica, utilizando, em particular, os métodos e conceitos do movimento caótico.
"As Leis do Caos" é um livro difícil para leigos. Faz uso de procedimentos matemáticos e conteúdos conceituais bastante sofisticados, mais apropriados a pós-graduandos ou cientistas. Para leitores com conhecimento de matemática avançada, o livro fornece um longo apêndice sobre teoria espectral e caos. Contudo Prigogine é um mago da escrita. Isso o torna surpreendentemente -e perigosamente- legível.
O perigo reside na possibilidade de compreensão equivocada dos conteúdos, favorecendo-se generalizações impertinentes, mas também erros conceituais graves, particularmente quando essas idéias são aplicadas em outras áreas do conhecimento, particularmente nas ciências do homem e em certas generalizações apressadas no âmbito das ciências biológicas e da evolução.

Caos e irreversibilidade
A teoria do caos determinístico não é uma teoria da desordem ou do caos primordial. Nela, determinismo e imprevisibilidade coexistem. O determinismo está presente porque a dinâmica do sistema é fornecida por equações. A imprevisibilidade ocorre porque há "dependência sensível às condições iniciais", isto é, devido à presença de não-linearidades no sistema, pequenas diferenças nas condições iniciais são amplificadas exponencialmente e, para um tempo suficientemente longo, trajetórias do sistema, partindo de condições iniciais ligeiramente diversas, se distanciarão. Sistemas que apresentam essa sensibilidade às condições iniciais são chamados "caóticos".
Assim, leis de evolução deterministas podem levar a comportamentos caóticos, inclusive na ausência de ruído ou de flutuações externas. Um outro aspecto relevante é o fato de que a transição da ordem ao caos dá-se através de sequências de bifurcações, isto é, de instabilidades.
A irreversibilidade diz respeito ao famoso problema da seta do tempo. As equações da física básica (mecânica, eletromagnetismo e mecânica quântica) são reversíveis. Por exemplo, consideremos um sistema isolado de partículas e o deixemos evoluir durante um intervalo de tempo "t", então, se as velocidades de todas as partículas forem invertidas exatamente e deixarmos o sistema evoluir o mesmo tempo "t", obteremos a situação do sistema original no instante inicial. Entretanto a nossa experiência diária não corrobora essa reversibilidade: um nadador não retorna da piscina para o trampolim, o calor passa sempre do corpo mais quente para o corpo mais frio, e não o contrário.
A segunda lei da termodinâmica formaliza a experiência cotidiana, afirmando que toda transformação espontânea leva o sistema de um estado de entropia mais baixa para um estado final de equilíbrio com entropia mais elevada. Contudo a segunda lei da termodinâmica é incompatível com a reversibilidade da mecânica newtoniana. Isso se denomina o paradoxo do tempo.
Uma solução, baseada no cálculo de probabilidades, foi proposta por Boltzmann no século 19. A ideia básica de Boltzmann foi introduzir uma distinção entre as condições iniciais que levam a uma evolução na direção do estado de equilíbrio e aquelas que conduzem ao afastamento. As primeiras, para Boltzmann, são muito mais numerosas do que as últimas, de tal maneira que a lei do crescimento espontâneo da entropia exprime uma propriedade estatística evidente: um estado menos provável deve evoluir espontaneamente em direção a um estado mais provável. Então, para Boltzmann, a entropia de um estado passa a ser uma medida de sua probabilidade. Como consequência, a irreversibilidade macroscópica da segunda lei se conciliaria com a reversibilidade microscópica da lei de Newton.
Prigogine discorda de que Boltzmann tenha fornecido uma solução para o paradoxo do tempo. Para o autor, as estruturas dissipativas evidenciam "o papel criador fundamental dos fenômenos irreversíveis, portanto também da seta do tempo". Probabilidade e leis deterministas, afirma Prigogine, complementam-se em nível macroscópico: uma solução oscilante longe do equilíbrio aparece a partir de um ponto de bifurcação e, outras instabilidades, a partir desta.
O autor nos propõe que "a seta do tempo tem o papel de criar estruturas". Dessa maneira, Prigogine contesta a visão usual de que fenômenos irreversíveis "se reduzem a um aumento de "desordem", como se pensava tempos atrás, mas, ao contrário, têm um papel construtivo".
O restante do livro é extremamente técnico. Em linhas gerais, o autor sustenta que, diversamente do usual, a formulação da dinâmica para sistemas caóticos deva ser feita por meio de uma abordagem estatística de base probabilística e que se deva eliminar a noção de trajetória da descrição microscópica. Assim procedendo, "para os sistemas instáveis, as leis fundamentais da dinâmica clássica (ou quântica) são formuladas em termos de evolução de "probabilidade". E é nesse nível que podemos esclarecer as leis do caos e descrever as mudanças que a instabilidade e o caos introduzem em nossa visão de mundo".
Os conteúdos apresentados neste livro tratam de aspectos fundamentais da ciência, com importantes consequências para a epistemologia. Os resultados incluídos resumem tópicos tratados em pesquisas em curso, sendo publicados em revistas internacionais arbitradas e de excelente nível. Mas o leitor deverá estar atento para o fato de que esses resultados não são definitivos. Aliás, há que enfatizar que as ideias apresentadas neste livro têm defensores bem como opositores, igualmente competentes, na comunidade científica, em um debate salutar para a construção da ciência.


Nelson Fiedler-Ferrara é professor do Instituto de Física da USP e co-autor de "Caos -Uma Introdução" (Edgard Blücher).

Nelson Fiedler Ferrara Júnior
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