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Dalton Trevisan - 72 - Março de 2001
A casa das quatro meninas
Leia conto inédito de Dalton Trevisan
Foto do(a) autor(a) Dalton Trevisan

A casa das quatro meninas

Leia conto inédito de Dalton Trevisan 

DALTON TREVISAN

A minha é a casa das quatro meninas. Sem contar a velha, a neta e a cachorrinha. Pendurados em cada canto, já viu, tanto sutiã, quanta calcinha? Todos os modelos, cores e tamanhos? A primeira filha nem casou, já separada. Bom moço, trabalhador, tem paixão por ela. Vem aqui ver a criança, os dois bebemos um copo de vinho, a neta no meu colo. Não me conformo e pergunto: Minha filha, me explique. O que aconteceu? E ela: "Nada aconteceu, pai. Só que o amor acabou." Fim do amor, adeus ao marido? Levo e trago a neta do colégio, assim me distraio. Já pensou, cara? Se um de nós, alegrinho: Tiau, minha velha, o amor acabou?
A segunda é dançarina de boate. De boate, cara. Já pensou? Em nosso tempo, orra, uma bailarina! E de boate, pô. Outro dia trouxe o convite para "Uma Noite na Arábia". Minha velha insistiu e fomos. Não é a nossa filha bem querida? Lá estamos na mesa de pista. E sabe o quê? O show até que bonito. E a menina dança direitinho. Apareceu na tevê rebolando numa roda de garotas. Eram sete, pô, qual delas? A outra filha apontou: "Essa aí, pai. Essa de bundinha empinada". Isso aí, ô meu. Que filhas, que tempos.
A terceira botou a mochila nas costas e saiu de viagem. Sozinha, pô, lá se foi. Pedindo carona, dormindo em albergue, lavando prato. Liga de madrugada pela diferença de horário. Ao fundo uma zorra, conta que pintou o cabelo de três cores. E furou a orelha pro sétimo brinco. Pergunto onde ela está? Quando volta? daí cai a linha. Toda vez, orra. É o apito do trem para Istambul? Nessa hora, pô, cai a linha. A conta do telefone, já viu. Importa é que ela está se divertindo. Na dela, numa boa. Já pensou, velho? Naquele tempo, se um de nós. Melhor não pensar.
A caçula, essa, decidiu se juntar com o namorado. Ficar com ele, sei lá. Vem uma delas, me pede o que não pode. Orra, eu de pronto: não e não. E as quatro, em coro: "Ai, pai. Essa não, pai. Corta essa, pai". Se acham o que, princesas? bastardas de qual rei deposto? E a nós cabe servi-las? Rei, quem, eu? O último dos varredores, isto sim, da bosta dos camelos do rei. E daí, cara? Me diga, você. O pai? Já não conta. Ele ouve. E paga. E agradece aos céus. Podia sempre ser pior. De todas, já viu, a única que nunca me mordeu? Foi a cachorrinha.
Com tanta mulher, olha eu sozinho em casa. A velha e a cunhada em Miami fazendo compra. A primeira filha viaja com o marido em busca de reconciliação. A dançarina? Uma semana de show em São Paulo. A terceira? pede carona lá na Grécia ou Turquia. A caçula, orra, no mocó do fulano.
Olha eu sozinho. Alguém, não é? tem de cuidar da neta. Ela dorme. A casa inteirinha só pra mim. Muito em sossego no borralho. Então por que sinto falta: "Ai, pai, essa não, pai". O festival de sutiãs pendurados aqui e ali? As mil e uma calcinhas de todas as cores?


Dalton Trevisan é escritor, autor, entre outros livros, de "Novelas Nada Exemplares" e "Cemitério de Elefantes".

Dalton Trevisan é escritor
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