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Maria Beatriz Borba Florenzano - 11 - Fevereiro de 1996
A antiguidade em documentos
Foto da capa do livro A antiguidade clássica, a história e a cultura
A antiguidade clássica, a história e a cultura
Autor: Pedro Paulo A. Funari
Editora: Ed. da Unicamp - 150 páginas
Foto do(a) autor(a) Maria Beatriz Borba Florenzano

O livro de Pedro Paulo Funari contribui para preencher uma lacuna há muito sentida por aqueles que lidam com a antiguidade clássica. Com efeito, são raras as obras atualizadas, em português, que tratam da antiguidade de uma maneira acessível a um público amplo, de estudantes universitários e professores de 1º e 2º graus. A iniciativa deve ser saudada tanto mais por ser o autor um especialista da área e por divulgar documentos inéditos por ele traduzidos.

O livro tem por objetivo "levar o leitor à fruição da antiguidade clássica por meio da apresentação e análise de documentos" (pág. 14). Objetivo que o autor atinge plenamente na medida em que a leitura dos documentos apresentados é agradável e instigante. Engana-se o leitor que estiver esperando uma coletânea de documentos textuais sobre a antiguidade, à moda de tantos manuais já conhecidos (Pinsky, "Cem Textos de História Antiga"; Artola, "Textos Fundamentales para la Historia"; Austin e Vidal-Naquet, "Economia e Sociedade na Grécia Arcaica e Clássica" e outros), pois Funari preocupou-se em selecionar não apenas documentos textuais, como também epigráficos e materiais, seguindo critérios nada convencionais.
Depois de dois capítulos, nos quais são abordadas as maneiras tradicionais e as maneiras atuais de análise de fontes primárias -tanto textuais quanto materiais-, seguem-se outros oito, onde os documentos aparecem agrupados em torno de eixos temáticos. Vários documentos mereceram por parte do autor comentários bastante detalhados que evidenciam o seu valor informativo e suas possibilidades interpretativas. O leitor encontrará, ainda, ao final de cada capítulo, duas seções, as "Atividades Encaminhadas" e as "Atividades Propostas". Estas trazem observações pontuais sobre as diversas questões suscitadas pelas fontes e uma orientação temática para aqueles que desejam aprofundar-se no estudo.
Os critérios empregados na seleção dos documentos ficam claros pelas palavras do próprio autor: "Centrando-se em acontecimentos políticos da elite e nos poucos autores considerados clássicos, exclui-se a maior parte da história e da cultura antigas das nossas reflexões. No entanto, a tendência das ciências humanas tem sido privilegiar a multiplicação de objetos, de abordagens e, consequentemente, de fontes de informação (...), orientação que será seguida nesta coletânea". Ainda segundo Funari: "A seleção de documentos procurou evitar a reprodução da noção de principais eventos, autores ou monumentos superiores", para não "induzir o leitor a considerar que ali está reproduzido aquilo que é mais importante" (pág. 26). Encontraremos assim, textos de autores tradicionalmente considerados "clássicos" como Aristóteles e Cícero, ao lado de outros menos conhecidos, como Filo de Alexandria ou Símias de Rodes. Por outro lado, documentos só disponíveis em obras especializadas são aqui divulgados, possibilitando ao leitor perceber como o nosso conhecimento sobre o mundo antigo é construído a partir de uma multiplicidade de fontes. É o caso dos grafites de Pompéia, traduzidos e comentados com riqueza de detalhes pelo autor, da moeda de Atenas, do mosaico da batalha de Issus, da pintura mural da Vila dos Mistérios, do trono Ludovisi, e do lécito de fundo branco.
Se, por um lado, o caráter inovador do livro manifesta-se na escolha de documentos de diferentes categorias, por outro, aparece no modo como estes são organizados em torno de eixos temáticos não convencionais: "Memórias", "Práticas", "Sentimentos", "Reflexões", "Expressões", "Poderes", "Espaços", "Experimentos". Esta organização pretende passar para o leitor uma visão de como a realidade dos antigos era bem mais rica e complexa do que a tradicional divisão em "política, economia, sociedade e cultura" permite entrever. Funari trabalha com essas novas categorias como se as tivesse experimentando, procurando resgatar nos documentos aspectos que numa primeira leitura são invisíveis. Assim, constitui um desafio compreender por que os fragmentos da poesia sensual de Safo não estão em "Sentimentos" e sim em "Poderes". O mesmo pode ser dito a respeito de outros documentos como o contrato de casamento registrado sobre um papiro egípcio que aparece no capítulo sobre "Espaços" ao lado do texto de Vitrúvio que trata visivelmente de espaços arquitetônicos. Mas este procedimento do autor, mesmo que por vezes difícil de acompanhar, instiga o leitor a procurar detalhes que uma formação mais tradicional não permitiria identificar nos documentos.
Ainda que a cultura material tenha sido valorizada por Funari, sente-se a falta dos documentos materiais no índice do livro. Percebe-se também que eles não têm títulos destacados (além da legenda das figuras) como mereceram os documentos textuais. Embora recebam comentários exaustivos e apareçam nas listagens ao final do livro (sem indicação das páginas), o modo como são apresentados dificulta o seu acesso.
O manuseio do livro sofre também com a falta de enquadramento cronológico de parte dos documentos. Em uma segunda edição seria interessante que as datas aparecessem já associadas aos títulos de cada um deles.
Para encerrar, é preciso ressaltar que este livro de Pedro Paulo Funari, além de todas as qualidades, tem também a vantagem de demonstrar o valor e a importância dos estudos clássicos para a formação dos nossos jovens. 

Maria Beatriz Borba Florenzano é professora de arqueologia no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.
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